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Desabafo de uma Mulher Cansada


"Essa seria uma obra de ficção se: eu não estivesse ao ponto de olhar-me no espelho e admitir que tudo isso é verdade. Entretanto, para que não percamos o costume vale lembrar que qualquer semelhança com nomes, factos, pessoas ou situações da vida real, NÃO TERÁ SIDO MERA COINCIDÊNCIA."







Ela sonhou tantos sonhos quanto pode. E no final das contas não foi capaz de vivencia-los tal como desejava. Não que ela os deixou guardado num canto escuro do armário, mas sim por que suas forças não foram suficientes para suportar as muitas escolhas que tinham de serem feitas ao longo dos dias. E no fim de tudo, ela sempre voltava ao início: não chegava em lugar nenhum. 
Primeiro ela quis desbravar os mais profundos conhecimentos a respeito de Deus e dos homens. Anelou possuir a sabedoria rejeitada por muitos e envolveu-se numa busca profunda por significados e significantes. Depois ela quis conhecer uma nova língua. Ansiou dominar a linguagem mundial ao ponto de estar apita para assistir uma palestra em idioma estrangeiro e para sua vaidade, assistir filmes sem fazer o uso da legenda, obtendo todos os efeitos que só a originalidade pode oferecer. Não se contendo com isso, ela buscou ir além, e enveredou-se pelo precioso mundo da literatura. Uma paixão antiga e recolhida. Ambicionou profissionalizar-se na área e não mediu as consequências que isso traria para sua vida. Minando todo o seu tempo. Por fim ela que já era mãe, filha, artesã, professora, costureira, namorada e depressiva, não conseguiu desempenhar todos os seus personagens com maestria. E as cobranças vieram. Vieram primeiramente por parte de si mesma, que ao se ver envolta em tantas cenas, com sentimentos e personagens tão distintos, temia em algum momento ser cobrada pela ineficiência de algum deles e para a sua ruína, chegou o dia em que o emocional não resistiu a tantas idas e vindas e viu-se cair num profundo desespero.
A rotina causticante a impelia a mecanizar-se, entretanto de mente e alma sã, isso não era possível. Acordar, arrumar-se para o trabalho, arrumar o filho para escola, levar filho para escola, trabalhar, pegar filho na escola, levar filho para casa, almoçar, atender ligação do namorado (isso simultaneamente), receber reclamações da professora, animal de estimação doente, verificar mensagens, voltar ao trabalho, trabalhar, voltar para casa, atender namorado, ler, estudar, escrever, curso, dever de casa do filho, jantar, banho, atender namorado, dormir e iniciar tudo novamente. 
Ela queria apenas paz, ou um lugar para enfiar a cabeça e ficar quieta por alguns instantes, sem se importar com o depois, daqui a pouco, já já, agora... ela queria encontrar onde havia deixado sua sanidade e retornar aos pelos campos da razão e racionalidade, sem se importar com quem quer que fosse.

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