AVISO IMPORTANTE:
Esta é uma OBRA DE FICÇÃO, qualquer semelhança com nomes, pessoas, factos ou situações da vida real terá sido mera COINCIDÊNCIA.
Com
a proximidade da Tradicional Festa das Congadas, a Irmandade tornava seus
encontros mais regulares a fim organizar a parte que lhes cabia e reafirmar
suas aspirações quanto ao resgate da cultura, que incluía a Novena em louvor a
Nossa Senhora do Rosário, leilão de prendas na barraca da igreja, levantamento
dos Mastros e as apresentações dos grupos de congadas da cidade e região.
Entretanto, para os habitantes da pacata cidade interiorana mineira, tudo
aquilo era anacrônico, e não passava de coisa de gente velha que não gostava de
festa, música e bebida prevalecendo o hábito de dormir sempre cedo.
Durante
anos, apesar de todos os esforços da Irmandade em convencer a prefeitura municipal
quanto ao regresso dos costumes que aludiam meados do século XIX, fazendo com
que a festa fosse exclusivamente religiosa e folclórica, em vão foram suas
tentativas. Afinal o evento fomentava o turismo da cidade e gerava renda, além
de proporcionar uma rara oportunidade de lazer à juventude. Após a apresentação
e retirada dos grupos de congadas da praça, iniciavam-se os shows. Cada noite
uma nova atração, sendo amplamente divulgada na cidade e região. Os
barraqueiros viajantes tratavam logo de contatar a prefeitura a fim de garantir
o melhor lugar para instalar suas tendas: estando as de perecíveis ao redor da
praça e igreja e as de bugigangas do Paraguai na descida e subida da ladeira
que ligava as igrejas Matriz e N. Sra. Do Rosário.
Grande
parte dos moradores do bairro, principalmente os que circundavam a praça
pertenciam à famigerada Irmandade, grupo seleto que zelava pela igreja. O povo tinha
conhecimento, pelo menos os habitantes do bairro, que aquela igreja era a
princípio uma pequena capela construída por escravos, e nos seus arredores o cemitério
dos mesmos. Ao ser questionada a Irmandade confirmava a história, porém alegava
que os restos mortais dos escravos haviam sido retirados e encaminhados para o
cemitério local, depositados em lugar secreto, conhecido apenas pelos seus
membros, a fim de evitar roubos e violações. Mas na verdade, todos os ossos
daqueles homens, mulheres e crianças vítimas da escravidão jaziam no mesmo
lugar: sob a igreja, praça, ruas e algumas casas construídas nos arredores. Na
tentativa de não ter seu segredo revelado, a Irmandade tratava de reprimir
qualquer obra ou benfeitoria da prefeitura na praça, alegando que o ato poderia
comprometer as estruturas da igreja. Contudo, a verdade era que eles temiam
serem revelados os segredos que ocultam o famoso “Largo do Rosário”.
Certa
vez tendo a prefeitura firmado contrato com cantor de renome, executou uma
grandiosa divulgação, e uma multidão de pessoas deslocaram-se a fim de
prestigiar a festividade. Grande foi a vibração sonora causada pelas enormes
caixas de som posicionadas nas laterais do palco, fazendo com que os alicerces
da igreja tremessem naquela noite. Enquanto a festa ocorria, os partícipes da
Irmandade se reuniam para orar clamando a Deus por forças com o intuito de
vencer as ciladas do maligno e assim reverter às desastrosas conseqüências que
aquele festejo indevido causaria. Munidos cada um com seu crucifixo e cantil de
água benta, rezavam a espera das 3 da manhã, momento em que uma neblina densa
invadia o local, e anunciava a chegada dos espíritos malfeitores.
A
multidão dançava, derrubando bebidas de teor alcoólico no chão da praça,
expelindo fumaça de seus cigarros e outros produtos ilícitos, e atraiam a
presença de demônios do subterrâneo que emergiam do inferno magnetizados pelo
ambiente de pecado e perdição, recebendo como oferendas tudo o que
involuntariamente era derrubado no chão ou expelido no ar. Na subida eles
acordavam os espíritos dos finados escravos, e estes caminhavam entre os vivos
com o propósito de buscar encosto e saciar desejos obtendo sensações humanas.
Já os demônios transitavam entre os homens e buscavam brechas em suas almas a
fim de possuí-los, ainda que por uma noite, e satisfizer sua ânsia de maldade.
Foi assim que Ipos, com suas 36 legiões elevou-se no meio da multidão e saiu à
procura de uma alma incrédula enfeitiçada pelos desejos da carne com a
finalidade de possuir e achara Jonathan, um jovem de pouco mais de 20 anos. Todas
36 legiões, incluindo Ipos, incorporaram nele. A princípio poucos notaram a
diferença do jovem rapaz, afinal, todos estavam bêbados, drogados ou com algum
espírito escravo encostado em si. Mas não tardou o momento em que Ipos quis
demonstrar sua valentia convertendo o momento de lazer numa arena de horror e
sangue. Jonathan foi contemplado com força acentuada, capaz de erguer um trailer de
lanches e arremessá-lo no meio do povo. Grande foi a confusão que se instaurou
ali, pessoas foram pisoteadas, arrastadas pela multidão que corria sem saber o
que exatamente estava acontecendo. A PM não conseguia chegar ao local, e um
agente deu um disparo para o alto, acreditando que assim facilitaria o acesso
ao local da confusão, entretanto aquilo só piorou as coisas, pois os espíritos
encostados incorporaram nas pessoas, e acreditando estarem ainda no século XIX,
partiram para cima dos policiais, golpeando-os com ódio e vingança presumindo
serem seus feitores. Enquanto isso
Jonathan dominado por Ipos escalou um poste de luz e arrancou a fiação deixando
o lugar em trevas. Os gritos tomaram conta da praça e a Irmandade foi acionada.
A
praça escura era iluminada apenas pela luz da lua, enquanto no grande centro só
se ouvia pancadaria e as gargalhadas de Ipos que apreciava o espetáculo que
causava.
Ao
chegar no local a Irmandade abria caminho aspergindo água benta sobre a
multidão de incorporados que rolavam no chão expelindo os espíritos outrora
encostados. Só assim a ambulância pode se aproximar e os paramédicos prestarem
socorros aos PM’s que haviam sido sovados pela turba. Pe. Augusto aproximou-se
do poste onde estava Jonathan e apontou-lhe o crucifixo enquanto este deu um
grande salto até o chão.
—
Senhor tende piedade, Cristo tende piedade, Pai do Céu tende piedade. Deus
Filho redentor do mundo tende piedade.
—
Está aqui brincando de ser padre enquanto sua mãe morre no asilo Augusto
Romero. — Disse Jonathan com voz grossa gargalhando das preces do sacerdote.
—
Santa Maria mãe de Deus, todos os anjos e santos de Deus ajudem-me nessa
hora...
—
Ele não vai te ouvir seu estúpido! — Gritou Ipos enfurecido que estendeu o
braço e arremessou Augusto a uma distancia de 5 metros, jogando-o contra a
ambulância.
Nesse
momento toda a irmandade se juntou e uma das mulheres foi em socorro do
sacerdote entregando-lhe seu crucifixo e a água benta que havia deixado cair na
investida do demônio. — Não dê ouvidos pra ele, é o pai da mentira. Estamos com
o senhor. — Sussurrou a mulher no ouvido do padre, enquanto ajudava-o a se
levantar.
Brevemente
a ambulância saiu em disparada e Augusto se aproximou novamente de Ipos, mas
dessa vez tendo a Irmandade em sua retaguarda.
—
Saia espírito maligno, em nome do Pai, do Filho e do Espírito Santo. —
Esbravejou Augusto, enquanto uma proteção invisível tomou conta do lugar onde
estava a Irmandade e impedia que Ipos se aproximasse deles. — Deus e o Espírito
Santo ordenam, o sangue dos mártires ordena... — Enquanto Augusto dizia as
palavras em voz grave empunhando o crucifixo, Ipos gritava caindo no chão se
retorcendo a vista dos presentes. — A CRUZ DE CRISTO ORDENA EM NOME DE DEUS
DEMÔNIO, EU TE EXORCIIIIIISOOOOO!
Uma
grande ventania soprou sobre o “Largo” e o povo protegeu os olhos e a cabeça
dos objetos eram levados pelo vento, enquanto Ipos dava seu grito de retirada
deixando o jovem Jonathan estirado no chão da praça.
Pe.
Augusto se aproximou, aspergiu água benta no rapaz inconsciente, e retirando-se
do local enquanto outra equipe de paramédicos chegava para socorrer os demais
feridos. A multidão que assistiu toda aquela cena foi para suas casas e a
ressaca tratou logo de fazê-los pensar que tudo aquilo não passou de uma
alucinação. Na manhã seguinte, Pe. Augusto novamente foi chamado, mas dessa vez
no reservatório de água, a fim de abençoar a água do caminhão pipa da
prefeitura que fazia o serviço de lavar a praça todas as manhãs após a festa
mandando de volta para o inferno os demônios e encaminhando os espíritos
escravos de volta as suas covas. Aos olhos de todos aqueles, este ato era para
evitar doenças e contaminações, mas somente a Irmandade sabia realmente o por
quê de muitos mistérios ocultos ali.
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