"Esta é uma obra de ficção, qualquer semelhança com nomes, pessoas, factos ou situações da vida real terá sido mera coincidência."
Na manhã seguinte levantou-se bem cedo. O sol ainda nem tinha nascido e Tereza já estava pronta para descer a ladeira com a filha nos braços, que ficava com a avó o período da manhã até o horário da escola.
Depois de ter entregue a garota, desceu apressada afim de chegar ao cemitério antes da abertura dos portões. Teve de esperar cerca de 40 minutos, até que enfim chegou um homem moreno com seus quase 50 anos que tirou as correntes que uniam a entrada com um cadeado comprido.
_ Bom dia!
Disse-lhe o homem que pelo uniforme, seria o coveiro.
_ Bom dia!
Respondeu com semblante recaído. Na tentativa de passar uma imagem de pena. Propícia a uma mulher que viera cedo visitar a sepultura de um ente querido.
_ Cedo pra buscar terra, não?
Ela olhou nos olhos do homem desconfiado. Certamente já estava habituado a visitantes que não gostavam de ser vistos nem identificados pela sociedade, procurando horários incomuns para realizar seus ritos ou buscar suprimentos para faze-los.
_Eu lá tenho cara de macumbeira meu senhor?!
Respondeu com voz firme.
O homem olhou-a de cima a baixo, coçando a cabeleira grisalha e respondeu-a com voz de deboche:
_ E macumbeira tem cara?
Rasgou um sorriso, continuando:
_ Entre ai e fica a vontade... Se precisar de mim, estarei na capela.
O homem deu de ombros subindo a ladeira enquanto a mulher permaneceu alguns instantes no portão, respirando fundo afim de extirpar a ira que sentira do comentário maldoso do coveiro. "Vou reclamar ao prefeito, vou sim." Pensou ela enquanto subia a ladeira olhando os corredores de túmulos enfileirados tentando buscar uma vela. Embrenhou-se entre um e enfim encontrou uma cova nova, com uma cruzinha de madeira simples. Era um recém nascido, percebeu pela data de nascimento e morte idênticas. Fez o sinal da cruz e rezou um Pai Nosso, ao fim apanhou a vela e meteu-a na bolsa que trazia pendurada no ombro. Lembrou-se então das palavras do coveiro sobre a terra. Sabia que muitos rituais usavam esse ingrediente. Se fosse voltar com as práticas antigas, por que não aproveitar a visita e levar também a terra?
Revirou a bolsa a procura de uma sacolinha de mercado. Sem nenhum sucesso buscou então um recipiente entre as sepulturas, afim de colocar uma porção pequena de terra. Achou uma embalagem de margarina já rachada contendo uma galhada seca que um dia certamente foram flores. Colocou um pouco de terra no fundo do pote e em seguida ajeitou-o cuidadosamente no fundo da bolsa.
Saiu do cemitério passando pelos portões apressadamente, sem olhar para trás. Esperava não ver aquele homem tão cedo. E partiu apressada em direção ao Posto de Saúde. Precisava de um atestado médico afim de não perder o dia e ganhar tempo para conseguir os demais ingredientes do feitiço.
Chegando no posto a fila já estava cortando a esquina, por sorte conseguiria uma ficha com um clinico geral, a quem já ensaiava mentalmente uma série de males, despejando suas lamurias e clamando por misericórdia. Por sorte receberia um atestado de 2 dias com CID de uma virose ou dor nas costas.
Algumas horas depois conseguiu a vaga, assinando seu nome e tomando lugar numa das cadeiras da sala de espera enquanto os nomes eram anunciados por ordem de chegada.
Ao longe avistou dona Maricota, a mãe de Antônio, numa das cadeiras próxima a entrada. Já fazia algum tempo que não conversava com ela. Mas, se a queria como sogra, precisava tirar a má impressão que fora causada anos atrás na noite posterior ao aniversário de 15 anos.
_ Bom dia Dona Maricota!
Exclamou aproximando-se e sentando na cadeira ao lado.
A mulher lançou um olhar de indiferença e por fim respondeu dando de ombros:
_ Bom dia.
_Que dia vai ser o terço lá em casa?
Indagou puxando assunto.
Dona Maricota arregalou os olhos e virou-se para jovem com um sorriso de satisfação.
_O dia que você quiser minha filha. Não sabia que você tinha decidido seguir o caminho do povo de Deus.
_ Poisé, a gente apanha da vida e aprende né mesmo? Eu com uma filha pequena, tenho que dar exemplo e encaminha-la. Sabia ela acha bonito as irmãs de caridade.
_ É uma vocação ma-ra-vi-lho-sa! Ela já sabe rezar o rosário?
Tereza mudou o semblante de contentamento para um olhar cabisbaixo de tristeza, conduzindo bem o teatro afim de ganhar a compaixão da ouvinte.
_ Como saberia? Nem mesma eu sei para ensinar-lhe. Temos ido na missa na comunidade do morro grande. Com dificuldade ela reza a Ave Maria e olhe lá.
_ Mandarei Antônio levar um livro de rezas para você. Lá tem todas as orações que devemos saber e também o Rosário. Já está em tempo de colocar sua menina no catecismo...
_ Teresa da Silva!
Anunciou a enfermeira frente a porta de entrada com a ficha na mão.
_ Tenho que ir, obrigada dona Maricota! Vou ficar no aguardo.
_ Vai com Deus minha filha!
Teresa apressou-se em pegar a ficha e sentar-se nas cadeiras enfileiradas que direcionavam a sala onde o médico atendia rapidamente cada um dos pacientes.
Tendo em mãos o atestado, partiu para casa afim de providenciar os demais ingredientes que faltavam. Por sorte encontrou Dona Maria Benzedeira, grande conhecedora de plantas a quem muitos procuravam no auge das suas aflições.
_ Dona Maria, que bom encontrar com a senhora!
_ Oh minha filha, quanto tempo não te vejo e a menininha, tá boa?
_ Graças a Deus!
Exclamou com um sorriso.
_ Por acaso a senhora não tem em casa aquele planta... humm... como é o nome mesmo....
_ Espada de São Jorge?
_ Não, uma outra...
_ Comigo Ninguém Pode?
_ Essa mesmo!
_ Tenho sim filha, mas toma cuidado, ela é venenosa. Poe no portão de entrada da sua casa. Afasta a inveja...
Terminou a frase quase que sussurrando.
_ Pode deixar!
Deu uma piscadela a velha senhora. A sorte parecia estar do seu lado, ate ali nenhum imprevisto.
Aproveitou e aceitou o copo de café com biscoitos que dona Maria ofereceu, cobrindo o estômago que já dava seus sinais. Com a plantinha em um saco plastico partiu para casa, afim de conseguir os últimos dos ingredientes.
Olhou no relógio da cozinha, eram ainda 2:45 da tarde. Foi para o quintal cavucar o canto do muro que ainda não tinha sido cimentado em busca de terra. Passou a mão na lata de pó de café vazia sobre o armário e gritou a vizinha no
quintal mesmo.
_ Ruth!
Apontou a vizinha no canto mais baixo do muro.
_ Desculpa te incomodar, mas já incomodando. Você não teria dois ovos, uma caneca de açúcar, uma colher de sal e uma xícara de arroz pra me emprestar não? Tô sem nada em casa... Eu ainda aguento bem, mas minha preocupação é com a menina...
_ Vou ver aqui e já te dou um grito.
Respondeu a mulher do outro lado do muro.
Alguns minutos depois ouviu batidas no portão. Era Ruth com uma sacola.
_ Olha, aqui tá oque você pediu e mais umas coisinhas. Espero que dê pra você passar a semana.
Ruth estendeu a mão oferecendo a sacola a Teresa que com uma lágrima no canto do olho pegou agradecendo a Deus pela generosidade da amiga.
_Que Deus lhe pague! Assim que puder prometo que pago você tudo oque te devo.
_ Imagine Tereza, Deus dando saúde pra gente trabalhar é oque importa. O resto a gente corre atrás.
_ Verdade!
Fechou os portões depois que a vizinha se voltou para casa.
Sentou-se na mesa da cozinha com todos os ingredientes a frente.
_ Ovo, ok! Vela, ok! Terra, ok! Comigo Ninguém Pode, ok! Vaso, humm... é uma lata, mas deve servir. Papel, ok! Nome, ok! Vamos a leitura!
Abriu o livro na página marcada anteriormente e iniciou uma leitura mental do que deveria fazer.
"Pegue o ovo e quebre-o de modo que consiga uni-lo novamente, tirando a clara e a gema. Escreva num pedaço de papel sete vezes o nome de quem você deseja amarrar dobre o papel e escreve sete vezes o seu nome e dobre-o até ficar pequeno podendo caber dentro do ovo. Em seguida pegue um chumaço de algodão e uma colher de mel..."
_ Poxa vida!
Exclamou praguejando.
_ Não falava nada de chumaço de algodão nem mel, onde vou arrumar isso?
Fechou o livro com raiva fazendo levantar uma pequena nuvem de poeira que lhe causou um espirro. Juntou os ingredientes que dispunha e levou para o quarto de quinquilharias tendo o cuidado de colocar a plantinha num copo com água para não morrer antes de terminar o encanto.
Novamente ouviu batidas no portão da frente. "Quem pode ser uma hora dessas." pensou consigo. Em seguida ouviu a voz masculina que a fizera rasgar um sorriso na face e correr ao banheiro para jogar uma água no cabelo afim de abaixar os fios rebeldes antes de atender a ilustre visita.
_ Antônio!
Exclamou sorrindo com voz doce abrindo os portões.
Continuará...
Comentários
Postar um comentário