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A Governanta

"Esta é uma obra de ficção, qualquer semelhança com nomes, pessoas, factos ou situações da vida real terá sido mera coincidência.” 

Dedico este conto a alguém que um dia me propus a escrever algo sobre ela, por certo não tenho informações exatas sobre os mistérios que permeiam sua mente e pensamentos, afinal, essa é uma perspectiva da visão que lanço sobre ela. Confesso que pode ser um tanto quanto equivocada, e se for, peço minhas sinceras desculpas, afinal contos não são reflexos exatos de um ser, mas sim fragmentos, partículas do que se pode conhecer de um ente desconhecido. A você,  E.L




"Toc, toc, toc..."

O ruido da madeira no solado dos sapatos femininos era um anuncio. Procuravam suas funções ou continuavam a fazer com maior agilidade a tarefa que lhes era imposta. 

Sim, havia um olhar inquestionável na jovem senhora responsável por manter em ordem a tão distinta residência. Elisa supervisionava a todos os funcionários, alguns selecionados a dedo por ela, outros no entanto eram de tempos anteriores a sua chegada na mansão. Era certo que não se agradava do serviço executado por alguns desses, mas procurava sempre amoldar ao seu gosto, com cobranças e orientações. Algumas por certo bem sucedidas, outras nem tanto. 

Possuía um olhar observador, fruto dos longos anos de experiencia que trazia consigo. Tinha a capacidade de perceber se aquele ou este estava realmente motivado ou só ocupando espaço. 
Era temida por alguns, odiada por outros e adulada por poucos. A maioria procurava manter um relacionamento distante, e ela por sua vez preferia assim. Não há espaço para amizade no campo profissional. 

Os serventes a viam com demasiada autoridade, um tanto quanto até arbitrária. Por outro lado, os senhores a cobravam constantemente e excessivamente. Não era apenas inspecionar o trabalho dos empregados, mas certificar-se de que tudo funcionasse da melhor maneira possível.
Controle de gastos, desperdício, agilidade, cortesia nas recepções, organizações de festas impecáveis. Na conclusão o mês, reunia-se com os senhores para uma prestação de contas do período. Afinal, se não fosse para que a residência mantivesse perfeita ordem, não haveria a necessidade de sua presença ali, que afinal, foi acompanhada de inúmeras boas recomendações. 
Havia sempre a preocupação pessoal de manter a excelente reputação que a acompanhou nos trabalhos anteriores. Não queria falhar, não podia falhar. Algo que não dependia somente dela, mas de toda a equipe de criados que prestavam serviços ali. 

Aquele ofício era algo constante, não se sabia bem onde terminava a governanta observadora e começava Elisa, parte oculta a aquelas pessoas. Talvez jamais saberiam que por trás de tanto rigor e norma, havia uma mulher com sonhos, desejos e sentimentos. 

Terminando os trabalhos diários, era sempre a ultima a se recolher. Antes tinha que certificar se a cozinha estava em ordem, as portas e janelas trancadas, os quitutes do café da manhã já preparados, e o cardápio para o almoço selecionado. Adentrava seu quarto e fechava as portas. Sentava-se na poltrona frente as janelas de vidro e abria as cortinas para observar o céu, as vezes até sem lua, coberto  apenas de estrelas. 
Lembrava-se do tempo em que as preocupações eram minímas, do colo do seu pai, e da bronca que sua mãe dava por chegar em casa com os tênis encharcados depois de uma caminhada nas enxoradas proveniente da chuva do fim de tarde.

Pegava o velho diário no gaveta do criado ao lado e escrevia seus pensamentos, ideias e raciocínios. Coisas que pra outra pessoa talvez não fizesse o menor sentido, mas que para ela encaixam-se perfeitamente, como uma parte de si exposta em palavras desconexas . Procurava não pensar no companheiro do passado, que a acompanhou durante algum tempo e os reveses da vida acabaram por afasta-los. Não havia mais amor, somente saudades. 

Já no banho Elisa deixava que as lagrimas corressem. A água quente, o vapor e os cabelos molhados eram uma perfeita máscara para os olhos vermelhos de um planto doido. Era tarde quando permitia-se deitar. Na verdade seu sono não era profundo e nem não podia ser. Ela tinha que ser tão vigilante quanto os homens que cuidavam da segurança da casa, e acordar tão cedo quanto o chefe de cozinha responsável por preparar o café da manhã dos senhores. Ela era uma maquina. Sem descanso, sem pausa, sem possibilidade de dano para manutenção. 




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